Porque orar os Salmos?
- Rev. Ubirani Alves
- 26 de nov. de 2021
- 7 min de leitura
Atualizado: 18 de jan. de 2022

Talvez algum tempo atrás essa pergunta não fosse tão relevante, fazê-la poderia não ter sentido, pois os salmos em muitos momentos da história da igreja de Cristo serviram como instrumento litúrgico e de devoção pessoal, seja na adoração, louvor ou lamentação. O evangelicalismo, porém, resolveu abandonar os salmos como prática litúrgica e de piedade pessoal e o suplente escolhido pelos profetas do evangelicalismo são: palavras de autoestima, louvores antropocêntricos e autoajuda.
Pode existir muitos motivos porque o salmo foi arrancado das liturgias e “piedade moderna”, mas duas coisas que com certeza contribuíram foram a teologia liberal, com o seu desapego a suficiência das Escrituras, e alguns ramos da teologia evangélica que tratam o Antigo Testamento como ultrapassado e irrelevante para o cristão.
Por outro lado, nós que somos herdeiros da reforma protestante devemos nos opor tanto a teologia liberal, afirmando que o texto bíblico é autoritativo, e também a essa teologia que procura legar ao AT um papel irrelevante na liturgia e devoção cristã, mostrando que era o AT a Bíblia usada pelos apóstolos na evangelização, na pregação, nas liturgias e também na prática da piedade diária.
Vemos em muitos momentos de avivamento os salmos servindo de base para a liturgia e piedade dos cristãos, como aconteceu em Northampton no grande despertar. Jonathan Edwards comenta que era possível passar pelas ruas da cidade e ouvir nas casas os cristãos cantando os salmos em família.
Precisamos resgatar a prática apostólica e dos cristãos através da história e voltarmos a usar os salmos em nossa devoção pessoal. Este é o principal propósito deste breve artigo, motivar os santos a ter uma piedade centrada nas Escrituras, fazendo uso dos salmos.
I. Oração o Caminho para a Comunhão e o Deleite em Deus.
Falar de oração é bem mais fácil do que ter uma vida de oração. Se buscarmos, porém, o entendimento bíblico correto sobre essa prática, tão necessária à vida cristã, nos sentiremos muito mais motivados a orar.
Deus em sua infinita sabedoria estabeleceu a oração como meio de termos uma profunda comunhão com ele. Deus em seu infinito amor preparou um caminho para que a nossa maior necessidade, Ele, seja satisfeita. Logo, orar é praticar comunhão e satisfação com Ele e Nele.
Existem vários modelos de oração nas Escrituras, vemos os patriarcas (Gn 18.22-33; 25.21; 32.9-12;), os Israelitas (Êx 3.7; 5.22-6.1; Js 10.12-13; 1Sm 1.9-18; Sl 17), Jesus (Jo 17), os apóstolos (At 3.1-8; 10.9; Cl 1.9-12), os cristãos (At 2.42; 4.23-31; 7.60; 12.12) todos orando, todos colocando diante de Deus suas súplicas. Temos também a oração dominical ensinada por Jesus. A oração é um dos assuntos mais importantes nas Escrituras.
O primeiro que a Escrituras menciona diretamente invocando o SENHOR é Enos; daí se começou a invocar o nome do SENHOR Gn 4.6b. A sentença “daí se começou” parece ser uma referência à volta da piedade cúltica iniciada em Abel, que ofereceu um sacrifício aceitável ao SENHOR, já Enos oferece uma oração aceitável, o que unidos “sacrifício e oração” compõem a expressão da piedade verdadeira.
Enos significa fraqueza o que lança luz na expressão “invocar o nome do SENHOR”, ou seja, Enos em sua fraqueza se volta totalmente para Deus em oração. Aqui está uma coisa que deve permear o coração do orante, um senso permanente de sua fraqueza e de sua total dependência de Deus. Orar não é ordenar, é suplicar a Deus movidos pela nossa insuficiência e crendo no poder suficiente Dele.
Calvino nas Institutas tomou III capítulo XX diz que esse conhecimento das nossas fraquezas é um reconhecimento da nossa necessidade e dependência de Cristo. É entender a nossa pobreza e miséria, que advém tanto dos nossos pecados como da nossa própria natureza humana. Precisamos, portanto, sair de nós mesmos e ir ao encontro Daquele que a tudo preenche, a tudo fortalece, a tudo dá sentido, ou seja, a Deus, e o caminho para isso é a oração.
Todos os tesouros que precisamos, aqueles que mais necessitamos está em Deus e a vereda para tais tesouros é a oração. Não ir a Deus em oração é ter uma atitude incrédula, no que diz respeito a ele ser o supremo bem que precisamos e tal atitude nos faz jogar fora todos os tesouros e deleites que há em Cristo.
Ver a oração dessa forma responde aquela pergunta: Se Deus já sabe por que orar? Oramos não apenas para pedir, mas para estar em comunhão com Deus e nos deleitar nele. Orar é ir a Deus reconhecendo nossas fraquezas, a nossa carência de Cristo e buscá-lo não apenas para ter coisas materiais, mas para ter Ele, não é para que ele mude seus planos, mas para que nosso coração esteja mais submisso aos planos Dele.
II. O Ensino dos Salmos Sobre Oração.
Os salmos revelam a alma humana das mais diversas maneiras, possíveis imagináveis. Vemos nos salmos orações de adoração, louvor e lamento, diante das mais diferentes situações. Assim, aprendemos a orar de maneira que agrada a Deus em meio a todas as situações imagináveis.
Todas as emoções que um cristão possa sentir em sua peregrinação aqui na terra está registrada nos salmos, todas as angústias, as aflições, os temores, as dúvidas, as expectativas, as ansiedades, as perplexidades, que agitam a mente humana, estão nos salmos, onde existe uma oração pronta para ser usada por nós. Logo, os salmos servem de grande consolo e nos prepara, como disse Calvino, para levarmos a cruz. Quem nunca se identificou com o peregrino que jornadeia para Jerusalém terrena em meio aos vários perigos (Sl 121).
Os Salmos servem de base para podemos elevar nossa voz ao Altíssimo. Usar o saltério como fundamento das nossas orações nos ajuda em nossa comunhão com o Senhor, nos leva para mais perto de Deus e isso com a reverência e respeito que ele merece, não com intimismos irreverentemente, muito menos com autoritarismo religioso tão comum no evangelicalismo.
Nos salmos vemos ao mesmo tempo um Deus presente que tem comunhão com o seu povo, onde ousamos dizer: Até quando SENHOR? (Sl 13), ou podemos usar palavras nos imperativos como o salmista fez no salmo 5; dá ouvido, acode, escuta SENHOR, e um Deus que deve ser respeitado e honrado pelos seus adoradores. Isso o salmista nos ensina no salmo 5.2, onde ele diz: Rei meu e Deus meu. Os salmos não confundem comunhão com intimismo. Nos ensina a traçar a linha entre uma oração suplicante e uma oração religiosamente soberba. Como podemos aprender com o penitente Davi no salmo 51, que leva diante de Deus seu pecado e suplica perdão.
O saltério nos ensina a orar exaltando o cuidado paternal, os livramentos, a providência majestosa, a bondade e o amor de Deus. Nos ensina a orar seus atributos maravilhosos (Sl 139), a estar familiarizados com os tesouros inesgotáveis do seu ser e de sua lei (Sl 119) e orar confiantes em suas promessas (Sl 37).
O livro de Salmos é uma antologia da alma humana e principalmente do ser de Deus, dois elementos essenciais para a oração, saber quem somos e o mais importante saber quem Deus é.
III. Orando os Salmos.
Não existe uma fórmula correta para oramos os salmos. Podemos fazer uma recitação, tomá-lo como base e fazer uma oração extemporânea, pegar emprestado as palavras mais importantes dos salmos e usá-las, etc. O salmo, porém, deve ser sempre o norte e o fundamento da nossa oração e aqui surgem algumas orientações que são importantes para orarmos os salmos.
Primeiro, devemos usá-lo dentro do seu significado hermenêutico, ou seja, devemos conhecer o significado do salmo e entender ele dentro do seu contexto.
Segundo, você deve conhecer e se familiarizar com esse significado, conhecendo as palavras usadas pelo salmista, ou melhor as figuras de linguagem.
Podemos citar como exemplo o Sl 51.7a; "Purifica-me com hissopo, e ficarei puro". Aqui o salmista usa uma linguagem cúltica-cerimonial para suplicar o perdão de Deus. Fazendo menção a prática de purificar o leproso com hissopo para que possa voltar a comunhão da família e a comunhão com Deus em santo culto (Lv 14.-32), ou seja, o salmista compra seu pecado a uma lepra que o separa de Deus, mas assim como o leproso pode ser curado, o salmista pode alcançar o perdão paternal de Deus. O hissopo, foi usado para aspergir o sangue do cordeiro nos umbrais das portas para que o povo fosse livre da ira de Deus contra o pecado de faraó em Êx 12.22-23. Isso nos mostra que o salmista está vendo o seu pecado como algo muito sério, como uma lepra, e que seu pedido é por perdão, para que Deus não o trate segundo seu pecado, mas o livre de sua ira santa e justa.
Terceiro, na medida do possível procure saber qual foi as circunstâncias em que aquele salmo foi composto. Alguns salmos tem um sobrescrito que detalha algumas vezes as circunstâncias de composição (Sl 51.), outros trazem autoria (Sl 49), ainda outros uma instrução sobre o uso do canto (Sl 5).
Dessa maneira, devemos buscar estudar o livro de Salmo para melhor usá-lo em nossas orações (em nossas referências biográficas tem algumas obras que ajudarão todos aqueles que querem estudar os salmos). Um entendimento da natureza do saltério nos trará momentos maravilhosos ao trilharmos o caminho da oração e assim alcançarmos as incalculáveis riquezas da comunhão com o Deus Trino. Os salmos foram inspirados por Deus para servirem de bússola para não perdemos o caminho da comunhão proporcionado pela oração.
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Obrigado servo de Deus.
Professor Ubiramir, Deus lhe abençoe cada vez mais nessa jornada de aprendizado contínuo dessa fonte inesgotável quê é a palavra de Deus 🙋🏻♀️ Grata por compartilhar todo esse conhecimento para quê possamos por em prática e o nome do Senhor Jesus Cristo seja glorificado através das nossas vidas.
Shalom Adonai 🙋🏻♀️
Muito bom e, edificante temos essa visão que o reverendo nós passar a vê com outros olhos e entendimento, da palavra do senhor, muito edificante
Uma benção! Estudo maravilhoso.