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Preguiça, Uma Inimiga do Crescimento Espiritual

  • Foto do escritor: Rev. Ubirani Alves
    Rev. Ubirani Alves
  • 22 de jan. de 2024
  • 8 min de leitura


 

O trecho bíblico em Provérbios 6.6-11 destaca de forma contundente as repercussões da preguiça nas atividades cotidianas. Aqueles que negligenciam suas responsabilidades materiais estão sujeitos a serem atingidos pela pobreza e privações (Pv 6.11). Diante desse cenário, o sábio aconselha que os preguiçosos observem a formiga, um exemplo que oferece valiosas lições de sabedoria. A preguiça e a autoindulgência atuam como parasitas que se instalam nas vidas das pessoas. Esse comportamento leva a uma trajetória de declínio, e a escassez, quando finalmente se instala, age como um adversário armado, robusto demais para ser prontamente enfrentado.


Tudo isso pode ser aplicado analogamente às questões da alma. Existe uma preguiça espiritual, uma falta de disposição para realizar atividades ou esforços que nos permitam crescer em nossa fé, chegando a ser uma inércia pecaminosa. Pois a preguiça é a ausência de motivação e desejo de evitar tarefas que exigem energia ou esforço. Como o crente pode não ter motivação para crescer espiritualmente? Será que Deus não é motivação suficiente para nos esforçarmos para crescermos? A comunhão com Deus não é um combustível eficaz para motivar nossas almas indolentes? Estar mais próximo de Deus não é motivo suficiente para deixarmos o divã da preguiça?


A aridez de nossas almas não deve ser empecilho para nos esforçarmos em manter comunhão com Deus, mas motivação. Pois o que é mais preferível: que sua alma seja comparada ao deserto do Atacama ou ao Éden de Deus? Ser salvo é a garantia de que vamos para o céu. Crescer é ter a garantia de que o céu vem até nós.

Se Deus não me motiva ao crescimento, é porque eu não O conheço verdadeiramente, pois dificilmente alguém que conhece a Cristo não faz uso das palavras de Paulo em 2 Coríntios 5.14-15: "Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: que um morreu por todos; logo, todos morreram. E Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou." Quem foi salvo por Cristo deseja viver para Cristo, e viver para Cristo implica crescer. E o crescimento exige de nós esforço.


O processo de crescimento, especialmente quando relacionado ao desenvolvimento físico do corpo humano, ocorre de maneira natural, seguindo uma programação genética e hormonal. Contudo, é vital compreender que, embora o crescimento seja intrínseco e natural, o esforço para desenvolver hábitos saudáveis desempenha um papel crucial nesse processo. Portanto, uma pessoa que negligencia esse esforço pode experimentar um crescimento inadequado ou prejudicado em diversos aspectos, podendo resultar até mesmo em atrofia.

 

Essa analogia se estende ao crescimento espiritual. Assim como é esperado que uma pessoa que nasceu em Cristo cresça espiritualmente, a falta de esforço na aplicação dos meios de crescimento, como a oração, a leitura e o estudo das Escrituras, a participação nos cultos e sacramentos, bem como a constante renúncia à sonolência do pecado e aos devaneios de uma felicidade mundana, pode levar à estagnação espiritual. Sem um empenho diligente, o progresso em direção à maturidade cristã fica comprometido, e nesse processo, a preguiça é uma grande inimiga.

 

"Oh! As dores da infância são dores alegres, Mas as dores da maturidade são as dores do crescimento."
Autor Desconhecido

 


I.                   Uma Verdade e Uma Mentira:

 

A Reforma Protestante resgatou a doutrina do Sola Gratia, enfatizando que a salvação é resultado unicamente da graça de Deus (At 15.11; Rm 3.24; 11.6; Ef 2.8-9; Tt 2.11). Essa doutrina é fundamental para o entendimento do cristianismo bíblico, sendo o ponto pelo qual a igreja se mantém de pé ou cai. É uma verdade que não pode ser negociada de maneira alguma, já que a ideia de uma salvação meritória, como defendida pelos romanistas, levou a igreja a práticas abomináveis, incluindo as indulgências.

 

A salvação pela graça somente está alicerçada na obediência ativa e passiva de Cristo, abrangendo tudo o que Ele fez e sofreu. Cristo, em sua encarnação, foi obediente até a morte e morte de cruz (Fp 2.8). Isso significa que a salvação dos crentes não reside em seus méritos ou esforços, mas unicamente nos méritos e esforços de Cristo, os quais foram graciosa e livremente aplicados aos crentes pelo Espírito Santo.

 

Esses méritos implicam em obediência redentiva, justiça e santidade, todos provenientes de Cristo e imputados a nós pelo Espírito Santo (Jo 16.13-14; 1Co 1.30; 2Co 5.21; Rm 4.6-8; Fp 3.9). Portanto, não somos salvos por nossa própria justiça, obediência ou santidade; ao contrário, essas virtudes de Cristo foram aplicadas em nós. Agora, Deus nos vê como justos, irrepreensíveis e santos, por meio de Cristo (Ef 1.3-6).

 

Dessa forma, a salvação é um produto da graça do começo ao fim. A mesma graça que nos salvou também, por meio dos méritos de Cristo, nos transforma para vivermos em novidade de vida (Rm 6.4). 

        

Agora que fomos salvos, justificados, regenerados e santificados, é imperativo que nos esforcemos para viver essa nova realidade em Cristo. Isso contradiz a grande mentira de que não precisamos nos esforçar para obedecer, pois tudo já foi realizado pela graça, e nossa obediência aos mandamentos não tem importância. Nada poderia ser mais enganoso, pois o Deus que nos salva unicamente pela graça também nos criou em Cristo Jesus e preparou boas obras para que pudéssemos andar nelas (Ef 2.10). Essa obediência não é para redenção ou salvação, mas é o resultado dela. Portanto, as Escrituras nos ordenam a sermos obedientes aos mandamentos de Deus (Jo 14.15; 1Jo 5.3; Mt 28.20).

 

À medida que caminhamos nessa obediência, crescemos espiritualmente, evidenciando assim a estreita relação entre crescimento e obediência.

 

O crescimento espiritual demanda esforço, e para aqueles que temem que o esforço contradiz a graça, afirmamos que as Escrituras não apoiam essa ideia. Diversos textos bíblicos que nos exortam a crescer em fé deixam claro que precisamos nos dedicar e nos esforçar para alcançar esse crescimento (2Pe 3.18; Ef 4.15; Cl 2.6-7; 1Pe 2.2; Hb 6.1; 2Ts 1.3).


Isso acontece porque a graça não se opõe ao esforço humano, mas ao mérito. Qualquer esforço direcionado ao crescimento espiritual é um indicativo de que fomos alcançados pela graça.

O verbo grego utilizado por Pedro em 2 Pedro 3.18, "auxánete" (αὐξάνετε), encontra-se no modo imperativo, segunda pessoa do plural. O modo imperativo é empregado para expressar comandos, pedidos ou instruções. Dentro do contexto deste versículo, a forma imperativa "crescei" representa uma exortação, um chamado à ação.

 

Ao utilizar o imperativo, a frase transmite uma sensação de urgência e importância. A orientação para "crescer" implica um esforço contínuo e diligente na busca e desenvolvimento da graça e do conhecimento do Senhor Jesus Cristo. Essa exortação sugere que o crescimento espiritual não é passivo, exigindo uma participação ativa por parte dos crentes.

 

Em Efésios 4.15, o verbo é o mesmo utilizado por Pedro, "auxēsōmen" (αὐξήσωμεν), mas conjugado no subjuntivo aoristo. É crucial destacar que essa construção ressalta o caráter imperativo da exortação para crescer em todas as áreas naquele que é a cabeça, Cristo. Assim, mesmo não sendo uma forma específica do imperativo, o subjuntivo aoristo compartilha a força de um comando ou exortação, enfatizando a necessidade de ação e esforço na busca do crescimento espiritual.


Essa relação entre graça e esforço permeia inúmeras passagens bíblicas, mas as selecionadas aqui são contundentes ao evidenciar que a graça não implica em inércia espiritual quanto ao crescimento e obediência. Antes, para aqueles que foram transformados pela graça, o imperativo é claro: esforcem-se para que o seu novo estado seja manifestado em todas as áreas da vida, implicando, assim, em maturidade cristã.


 

II.                A Preguiça: Um Obstáculo Significativo para o Crescimento na Fé.

 

A preguiça é uma armadilha perigosa que induz à ociosidade e ao relaxamento, representando uma ameaça significativa para os cristãos, já que estamos constantemente envolvidos em uma batalha contra o mundo (1Jo 5.4-5). Ao caminhar nas trincheiras inimigas, a ordem clara do nosso General é crescer em santidade (1Pe 1.15-16; Hb 12.14; Rm 12.1-2; Cl 3.5; 2Co 7.1; 1Ts 4.3-4; Ef 5:3; 1Tm 6.11; Tg 4.7-8; 2Pe 3.11). Não buscar crescimento é se expor às influências do mundo e às doutrinas humanas. Assim, os crentes que negligenciam o crescimento acabam imitando o comportamento do mundo, não exercitam o fruto do Espírito e sucumbem aos impulsos pecaminosos.

 

Na busca pelos bens deste mundo, muitos crentes são ativos; no entanto, quando se trata dos tesouros celestiais, tornam-se relaxados, ociosos e frívolos. Faltam-lhes empenho, permanecem inativos e sem vigor nos caminhos da graça e da pureza.


Aos cristãos infantilizados que desejam o crescimento espiritual, afirmo que este não é para os crentes preguiçosos, mas para os laboriosos; não é para os ciosos, mas para os ativos; não é para o cristão negligente, mas para o dirigente.

Contemplem o notável exemplo das formigas. Sem líder humano ou supervisor para orientá-las ou cobrar esforços, e desprovidas de um governante supremo para responsabilizá-las por qualquer negligência, esses pequenos insetos persistem incansavelmente em suas tarefas. É notável observar como, mesmo diante dessa ausência de supervisão, as formigas aproveitam cada oportunidade na colheita para providenciar reservas de inverno. Trabalham de forma incessante, dedicando-se ao armazenamento e transporte de alimentos para as celas que cavam na terra, protegendo suas provisões com notável engenhosidade contra os efeitos do clima e possíveis roubos por parte de outras criaturas.

 

Quanto mais você, cristão ocioso que tem um sublime Senhor merecedor de todo nosso esforço para agradá-lo, não deve lutar com vigor e dedicação? Evitando assim que o tentador, inimigo de sua alma, que anda ao seu derredor, assalte as riquezas que a graça lhe concedeu.

  

Exorto-vos a seguir o conselho de Pedro: "Irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum. Pois desta maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (2Pe 1.10–11). Cristão ocioso, sempre lhe faltará às delícias do crescimento espiritual, o gozo de ter o coração tomado pelo céu, pois Deus fez uma separação entre o crescimento e a preguiça, entre a maturidade e a ociosidade, e assim como não podemos separar o que Deus uniu, não podemos unir o que Ele separou.

 

Desperte, cristão negligente, pois nunca terás o coração cheio de serenidade, a alma transbordante da eterna segurança, o teu interior repleto de alegria e do fervor celestial se permaneceres em teu berço esplêndido de ociosidade.

 

A preguiça nos impede de crescermos; ela rouba a nossa vitalidade espiritual, nosso fervor. Um cristão sem fervor é um cristão perdido. Pois não basta orar, devemos fazê-lo com fervor; não basta ler a Bíblia, devemos fazê-lo com devoção. Para isso, precisamos subjugar toda ociosidade ao deleite em Deus.


Diferentemente do crescimento físico que eleva a cabeça para mais perto do céu, o crescimento espiritual traz o céu para dentro do coração.

Logo, as coisas do céu, como orar e ler a Bíblia, não serão um exercício tedioso, mas um sublime prazer.



Diante do exposto, somos desafiados a refletir sobre a preguiça como uma inimiga do crescimento espiritual. A analogia das formigas nos recorda da importância do esforço contínuo e diligente na busca pelo crescimento espiritual, evitando assim cair na armadilha da preguiça.

 

A verdade da salvação pela graça é inegociável, mas é imperativo rejeitar veementemente a mentira de que não precisamos nos esforçar para obedecer. A relação entre graça e esforço é clara nas Escrituras, e o imperativo de 'crescer' destaca a necessidade de uma participação ativa no processo de desenvolvimento espiritual. Que o esforço diligente seja a marca distintiva de nossa jornada espiritual, evidenciando assim a graça transformadora em nossas vidas.

 


BROOKS, Thomas. Céu na Terra. São Paulo: Editora PES, 2014.

FERREIRA, Franklin. Pilares da Fé. São Paulo: Edições Vida Nova, 2017.

HOEHNER, Harold W. Efésios: Comentário Exegético. São Paulo: Edições Vida Nova, 2023.

JOBES, karen H. 1 Pedro: Comentário Exegético. São Paulo: Edições Vida Nova, 2022.

LOUW, Johannes, NIDA, Eugene. Léxico Grego- Português do Novo Testamento; Baseados em Domínio Semântico.  Barueri, SP 2013.

WALTKE, Bruce K. Comentário do Antigo Testamento Provérbios - Volume 1-2. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2019.

 
 
 

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Teologia, Vida Cristã, Piedade Cristã, Teologia Reformada, Puritanos, Família Cristã

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